CBV - Do amadorismo ao alto rendimento (1960 a 1985)

Cuentanos la Historia del Voleibol Nacional e Internacional.
Rafael
Hincha
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Revista "Saque" (1985)

Houve um tempo que o voleibol era divulgado por uma revista chamada SAQUE, criada por Montanaro e William. Dentre muitas reportagens inteligentes da época uma delas será relatada aqui como uma nostalgia e conhecimento da história do voleibol brasileiro.

Nostalgia é sinonimo de piada no voleibol brasileiro. Ou ainda tem gente que sente saudade da época em que jogador era obrigado a secar uniforme em cima de abajur para nao ficar sem roupa na próxima partida? Dos tempos da improvisação a era dos títulos, nosso volei transfigurou-se para melhor com uma receita infalível que inclui organização, craques, patrocínio e muito trabalho.

No início dos anos 60, o vôlei nacional resumia-se a duas equipes: como no futebol, Santos e Botafogo dividiam títulos e a melhor infra-estrutura do País, com os atletas sendo submetidos a treinamentos sistemáticos visando aperfeiçoar a parte física e técnica.

Era um trabalho sem seqüência, já que não era complementado na Seleção Brasileira. Dificilmente os jogadores podiam se dedicar aos exercícios dias seguidos, preocupados com o colégio, a faculdade ou o emprego. A improvisação era comum a todos os esportes amadores, contaminava os dirigentes, que não tinham dinheiro nem para organizar um calendário. As competições limitavam-se aos torneios regionais e os Campeonato Brasileiro de Seleções, este ultimo quase sempre vencidos pelos paulistas.

O talento individual dos atletas brasileiros superava algumas dificuldades a nível sul-americano, onde o esquema de preparação era idêntico ao nosso. Assim alguns jogadores como Quaresma e Feitosa, por exemplo, eram decisivos para que a Seleção vencesse sem problemas todos os Campeonatos Sul-americanos masculino em que participou. No feminino as peruanas eram a pedra no sapato das brasileiras, ameaçando nossa supremacia a cada dois anos.

Em 1964 o voleibol estreou nos Jogos Olimpicos e lá se foi o Brasil com uma delegação de dez pessoas, duas a menos que o normal. O técnico era Sami Mehliskin e os atletas Feitosa, Nuzman ( atual presidente do COI), Décio Viotti, Hamilton, Zé Maria, Jósias, Marco Antonio, Newdon, Pedro, e Victor. Com apenas oito jogadores, (um deles adoeceu e o outro contundiu-se) a Seleção conseguiu superar-se, conquistando o sétimo lugar.

Nos campeonatos mundiais, o Brasil não fez um papel melhor: no primeiro em que tomou parte- 1956, em Paris- a Seleção masculina ficou em décimo primeiro lugar, mesma classificação para o feminino. Só em 1960, quando foi realizado no Rio de Janeiro, a colocação foi honrosa: quinto lugar no masculino e quarto lugar no feminino. Mas foi uma exceção, já que em 1966, em Praga, a Seleção masculina exagerou e ficou em décimo terceiro lugar.

Nos Jogos Olimpicos de 1968, no México, entrou uma nova safra que se misturou aos mais experientes craques da seleção masculina: ao lado dos veteranos Feitosa, Victor e Décio Viotti, foram convocados os jovens Moreno, João Jens e Sérgio Telles, do São Paulo, além de Paulão e Mário Dunlop, do Rio. Os convocados ficaram concentrados em Campos do Jordão até embarcar para Cidade do México, onde pretendiam iniciar a recuperação do voleibol brasileiro, contando com a força dos novos valores.

Começou o Torneio e tudo deu errado: os jogadores se recusavam a obedecer as determinações do técnico, os veteranos não se sentiam bem ao lado dos mais jovens e ninguém cooperava. A Seleção foi um desastre, perdendo sucessivamente para Bélgica, União Soviética, Estados Unidos, Tchecoslováquia, Bulgária, Polônia, Alemanha Oriental e Japão. Só não ficamos em último porque conseguimos vencer o México por tres set´s a um. Mais uma vez, a falta de intercâmbios foi um dos fatores que determinaram o fiasco da Seleção masculina. Sergio Telles, que jogava pelo Santos e foi um dos jovens convocados, dá um exemplo: “no dia anterior ao nosso jogo contra o Japão, fomos assistir o jogo deles contra os Tchecos. Os japoneses começaram ganhando mais Tchecoslováquia conseguiu virar para tres set´s a dois, diminuindo a velocidade da recepção do adversário com a utilização do “saque tcheco”, uma espécie de antecessor do nosso “jornada nas estrelas”.

Quando entramos na quadra, no dia seguinte, tentamos fazer o mesmo, mas os japoneses já estavam previnidos e ganharam de tres set´s a zero. Era tudo assim, a gente só conhecia o esquema do adversário na hora.”

O fracasso do México abriu um pouco os olhos dos dirigentes, que iniciaram um tímido intercâmbio, insuficiente para que o vôlei brasileiro tivesse grandes aspirações. Uma pequena recuperação aconteceu no Mundialito do Uruguai, realizado no ano seguinte, quando obtivemos um 4º lugar vencendo a Venezuela, Túnisia, Estados Unidos e Japão, este último vice-campeão olímpico no México. A imprensa da época destacava a garra dos jogadores, já que a improvisação continuava a mesma. João Jens. uma das revelações do E. C. Pinheiros, de São Paulo, e considerado um dos mais completos jogadores de todos os tempos pelo capitão William, da atual seleção (na época da reportagem da revista Saque): ” Só tinhamos uma camisa para toda a competição e o jeito era lavar após cada partida. Uma noite eu esqueci a camisa secando em cima do abajur e ela quase pega fogo. Conclusão: tive que pedir emprestado o uniforme de um reserva para entrar na quadra no jogo seguinte.”

No Mundial masculino de 1970, na Bulgaria a mistura de veteranos e jovens prosseguia: permaneciam Moreno, Jens e Paulão, que participaram da Olimpiada de 1968, enquanto eram convocados Negrelli, dos Santos, Bebeto de Freitas, do Botafogo, Luys Aymard e Danilas, este último um adolescente que ainda não havia completado 16 anos. A nova geração prometia, mas não havia condições de explorar aquele potencial, por isso continuávamos colecionando fracassos: os rapazes ficaram em 12º segundo lugar enquanto a Seleção feminina, que ainda não iniciara a renovação esperada, não passou de um 13º lugar..

Munique, 1972, o vôlei brasileiro, dirigido por Valberbi Romani, não tinha mais Feitosa; em compensação,entraram no time Paulo Russo e Celso Kalache. A atuação brasileira nas Olimpiadas foi prejudicada por dois fatores: um, comum a todas as delegações, foi o assassinato dos atletas israelenses por terroristas da OLP. O outro foi a crise de apendicite sofrida pelo levantador Bebeto, o Willians da época. Ele teve de ser operado e o time jogou desgastado emocionalmente. Mesmo assim, melhoramos um pouco, chegando em 8º lugar na classificação final.

No mundial masculino de 1974, no México, dois nomes famosos hoje em dia já apreciam na lista de convocados: Willians e Fernandão, ao lado de Suíço e dos já maduros Moreno, Bebeto e Negrelli. A concentração durou um mês na escola de Educação Física do Exército, mas a falta de conhecimento dos adversários outra vez pesou na balança e ficamos em 9º lugar.

Começaria então a era Nuzman.

A idade do ouro brasileiro teve sua raiz no ano de 1975, com a eleição do ex-atleta Carlos Artur Nuzman para a presidência da Confederação Brasileira de Voleibol. Nuzman, que sofreu na carne a desorganização e a falta de recursos crônica do vôlei, decidiu fazer um trabalho que levantasse esse esporte a longo prazo, tomando como base exemplos bem sucedidos na Europa e na Ásia. O modelo norte-americano, apoiado na sólida estrutura das universidades, seria impossível no Brasil, onde as escolas superiores nunca tiveram verbas nem para sustentar as pesquisas e o simples sálarios de seus mestres. Por isso, a solução foi apelar para a iniciativa privada: as empresas contratariam os atletas como funcionários e estes não precisariam se preocupar com os estudos, despesas familiares, e emprego, dedicando tempo integral ao vôlei, como acontecia na Itália e no Japão.

Ao lado da sustentação finaceira, Nuzman pensou também no aperfeiçoamento técnico: mandou seu homem de confiança, Paulo Márcio, atual supervisor da CBV, para um estágio de dois meses no Japão, onde o vôlei havia conquistado uma medalha de ouro nas Olimpíadas de Munique. Toda estrutura inicial das comissões técnicas, treinamentos e organização de calendários foi baseada nos relatórios de Paulo Márcio, com algumas concessões à criatividade brasileira.

Em termos de Seleção Brasileira, foi iniciado um trabalho de renovação constante e treinamento científico, ao lado de uma miscigenação que permitisse a entrada no time principal de um atleta juvenil sem que a equipe base sofresse quedas bruscas de produção.

O intercâmbio virou coisa séria e, antes dos Jogos Olímpicos de Montreal, em 1976, William, Fernandão, Bebeto e Danilas viajaram até o Japão para um estágio de 40 dias. A preparação durou dois meses e meioe, sob a direção do técnico Carlos Souto, a Seleção masculina terminou em 7º lugar.

As verbas começaram a aumentar e as Seleções juvenis que iriam disputar os Mundiais de 1977 realizaram um programa de treinamento intensivo durante oito meses. Todos esqueceram estudos durante aquele período. A dedicação rendeu um 3º lugar para o masculino e um 4º lugar no feminino. Mas gratificante do que a boa colocação foi o surgimento da geração de craques como Renam, Montanaro, Bernadinho, Isabel e Regina Uchôa.

Um programa semelhante aplicado quatro anos depois fez com que o Brasil pulasse para o 2º lugar no Mundial juvenil masculino disputado nos Estados Unidos. Desta vez apareceram Domingos Maracanã e Xandó, considerado o melhor jogador do torneio.

Nas Seleções adultas, as posições melhoravam: no Mundial de 1978 pulamos do 9º para o 6º lugar no masculino, enquanto a Seleção feminina saltava do 15º para o 7º do ranking.

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Ediçao extraida da revista saque, no ano de 1985, sobre a primeira fase de transiçao do volei brasileiro, do amadorismo ao nivel de excelencia profissional, com projecao de futuro ate dos dias de hoje.